13 de ago. de 2017

Encontro


Há muitos dias eu não saia
Precisava de um tempo dessa cidade
Dessas pessoas amontoadas
Esmagando o outro com tudo o que pode
Os olhares
As mãos
Os próprios corpos
Os muitos copos
Os homens precisam de silêncio
Depois precisam de confusão novamente
Desgraçar a cabeça
Tomar um porre
Eu estava finalmente pronta
Para encarar a melancolia dos outros
Esqueço a minha
Essas pessoas estão sempre dispostas
A mostrar-se interessante
A falar demais
A ouvir só o que lhes convém
Ninguém está bem
Então eu o encontro
Desgraçado e sorrindo
Passando o tempo
Cortejando uma mulher à mesa
Fazendo o de costume
Não me veja
Não me deseje mais
Não bagunce a minha vida
Outra vez
Peço comigo
Que me deixe com meus tormentos
Já não estou em paz há muitos anos
Não adianta
Ele sempre larga tudo o que está fazendo
Para sorrir na minha direção
Sorrio para o lado
Passo a mão esquerda na nuca
Que só ele sabe o que significa
Nem disfarço a surpresa e o prazer
Que tenho nos acasos sarcásticos
Nos trazendo ao mesmo lugar
A um bar que não gosto
Com as pessoas se olhando sem se aproximar
Mas ele sempre se aproxima
Me oferece um cigarro que recuso
Me abraça como se entendesse saudades
Me oferece uma paz que não desejo
Ele me diz nem gosto daquelas pessoas
Poderia ser só nós dois pela madrugada
Todas as mulheres me aborrecem
Menos você
Menos você
Eu desejo despir-me vagarosamente
É um único filho da puta nessa cidade
Com quem me agrada ficar muitas horas
Que não me entedia 2 horas depois de nua
Vários homens me excitam de algum jeito
Sobretudo os que não me olham nos olhos
Os que tem pouca coragem quando tem outras pessoas observando
As mulheres também, mas só as que encaram minha desconfiança
As que se sabem fortes
O que me interessa é a natureza
Sempre tive isso comigo
Mas esse homem me encara
Sabe que eu entendo o que ele fala
Me mostrou quase todos os seus escritos
Porque queria que eu o conhecesse
Que eu me apaixonasse
Pela sua fragilidade
E pelas suas mãos firmes
Eu odeio os verdadeiros poetas
E os bares que estão sempre abertos
Eles me mantem por perto
Nos dias que era melhor ficar sozinha
Nos despedimos com um beijo
Vou embora dali algumas horas depois
Acompanhada de um homem prático
Que insiste em dizer que me ama
Com as palavras cheias de álcool
Eu não desejo seu amor
É inútil dizer
Ele não entende absolutamente nada do que eu vejo
Me acha a mulher mais maravilhosa do mundo
Que maluco
Diz que só quer estar comigo todos os dias da vida
Acho um absurdo
Todos os dias de uma vida inútil
Ao lado de uma mesma pessoa
Com tantas outras no mundo para amar
Para ele, desnudo-me rápido
Desejo que ele se canse de uma vez por todas
E vá atrás de outras mulheres menos malucas
Mas é inútil
Os homens só fazem o que querem
Ninguém lhes coloca freio
Quando eu o faço
O desgraçado quer ficar para sempre
Tem sempre vinho aqui para você
Já falei que prefiro cerveja
O que você deseja, eu faço
Também me agrada essa facilidade
Além do sorriso e o jeito devotado que me olha
Do corpo forte que abraça quase todas as minhas loucuras
E do empenho em me amar de madrugada
Penso no outro
Com quem eu poderia falar de poesia
Para quem a minha pretensa certeza faltaria
Para quem desejaria me descobrir
Esquece isso
Te acalma com quem quer ficar
Ao menos até quando não o desejares mais
No fim da noite
Transar também é como escrever
O exercício vale a pena
As vezes suor, amor e trabalho se entrelaçam
Algumas palavras muito bem se encaixam

Mas poucos poemas te completam

17 de mar. de 2014

dele

"tu, certamente, é a mulher mais bonita que eu conheço. não consigo imaginar visão mais perfeita do que tu de manhã, saindo do quarto só com a minha camisa do Ramones e perguntando se tem café. eu, que fico mudo diante de você, da pergunta, e da luz que está entrando pela fresta da janela, levanto a xícara, e apenas com um gesto te convido pra sentar do meu lado. e tu, mulher mais bonita que eu conheço, sentando desleixada na cadeira, segurando meu braço com uma mão e a xícara vermelha na outra, ainda sem querer muita conversa, apenas com um sorriso no canto de rosto, não pode imaginar a alegria que eu, contidamente, sinto em te ter aqui hoje e adorando os fins de semana juntos. eu acabei de te escrever um poema e ainda não decidi se vou te mostrar, mas agora, olhando pra você com o os olhos perdidos diante dos livros da estante na sala, sem saber o que estás pensando e apenas apreciando a tua distração, vou precisar reescrever te contando da minha paixão."

20 de jan. de 2014

Duo

Só nós transitamos pelo corredor. Dois reconhecendo a força das paredes, testando a confiança das portas. Abruptamente. Duas meadas sombras de dois pares de pés descalços frêmitos e quentes. Eu não sei se a noite é voraz ou se é a minha pele que arde e come a brisa que passeia. Uma porta é aberta, a luz passa querendo descobrir nossas vergonhas. Pares de sapatos atrás da porta, dois travesseiros, duas taças. Um clique, um estrondo. Uma pausa, uma artéria. Um impulso, um expulso. Pares de coisas que só vemos no escuro. Passam as horas velozes a desafiarem os dois ponteiros do relógio. Os minutos e os segundos. Não há horas. O tempo pára na entrega. Um pause no tempo que passa, no tempo que fica e não volta. A cena, se vista de fora, nenhum artista teria coragem de retratar. Desenhistas perderiam a linha. Fotógrafos se esconderiam atrás do obturador. Pintores misturariam tantas cores que só o abstrato ininteligível ficaria à mostra. Só nós transitamos entre o vão do quarto onde os quadros inacabados estão entulhados. Durmo entre as partes de sonho e consciência, sem saber que durmo e não sonho e sonho e não durmo. Alterno. O corredor se alonga. Os segundos se exasperam, dificultam. Maldito corredor que não pára de se espreguiçar. O despertador chega pontualmente e te leva embora. Visto-me, apago a luz, fecho a porta e vou embora. Dois dias depois, não mais, tudo morre no tempo e no esquecimento, concluo.

18 de abr. de 2013

quarta-feira


Hoje trabalharei até mais tarde porque todas as vezes que você passa por mim, todos os meus dedos ficam fracos e por isso não consigo digitar uma só palavra. Por alguns segundos ou minutos, depende do tempo que você involuntariamente se dedica a me distrair, minha produtividade cai junto com o meu interessem em fazer qualquer coisa que não seja olhar pra você. E quando você vai embora, meu coração volta a bater normalmente, meu sorriso leve retoma a expressão séria natural do horário comercial e todas as coisas voltam a ter a cor da rotina. Hoje você está inquieto e acompanho você ir e voltar, sem nem perceber o transtorno que me causa e faz tudo aqui dentro ficar com o sabor da paixão que você nem sabe que existe.

21 de fev. de 2013

Falta

E como não poderia sentir saudades daquele frio na barriga quando ele chegava, daquele peso na despedida, daquela ansiedade até o retorno. Sinto falta de colecionar fotografias, de olhá-las no fim de um dia e de sorrir lembrando tudo que aconteceu no momento registrado.
Sinto falta de querer estar bela sempre para arrancar o sempre bem-vindo elogio. Sinto falta de o celular tocar, de ser o número dele chamando, de eu respirar fundo até atender, de ouvir sua voz mansa e saber que aquela doçura só vinha quando falava comigo.
E como não poderia sentir saudades de todas as perguntas feitas, porque queria saber das coisas que eu gostava e o que me importava, porque de um jeito discreto e, às vezes, sem jeito viria sempre uma atitude querendo agradar.
Sinto falta de andar de mãos dadas, sem pressa de chegar, porque o importante era estarmos juntos e de ouvir uma reclamação, caso eu, distraidamente, largasse a minha mão dele. Sinto falta de não querer me despedir, de sofrer um pouco nesses momentos, de ser consolada com as palavras “você me tem pra sempre”.
E como não poderia sentir saudade de uma data específica, um marco, um início, um dia especial, que deveria ser sempre comemorado. Sinto, tão perto, como se fosse antes de ontem, falas de amor sem ensaios, sem clichês, porque todas aquelas palavras nunca haviam sido ditas até nós dois sermos nós dois.
Sinto falta, um vazio grande, daquela inspiração romântica que me fazia escrever para não explodir de alegrias e dos escritos dele, ensaiando um romantismo pequeno, mas que era bonito de ver. Sinto falta das tardes de domingo reservada pra nós dois, com filmes e sorvetes ou sem nada disso, porque era o nosso momento e nada podia ser mais importante.
E como não poderia sentir saudade de vê-lo chorar, de sentir sua fragilidade molhando as minhas mãos, de acariciá-lo nos meus ombros, de protegê-lo ou de achar que o protegia. Sinto falta de descobrir uma coisa nova a cada dia, um segredo, uma particularidade, uma birra, um incômodo.
Sinto falta da paixão, do alvoroço, da saudade, da dedicação, da preocupação, do cuidado. Sinto falta de uma surpresa, de uma flor, de um e-mail, de um comentário neste blog, de um SMS, de um depoimento, de um convite, de um pedido, de um chamado, de um gesto espontâneo sempre presente.
E como não poderia sentir uma enorme saudade do futuro que eu achava que teríamos e que eu planejava sozinha, por achar que os nossos sonhos eram os mesmos ou andavam, ao menos, alinhados.
Sinto falta de usar alianças, de ver nelas um significado bonito, de ter não uma segurança, garantia ou promessa, mas a cumplicidade que anéis não exibem.
E como não poderia sentir falta de sentir que faço falta, de saber racionalmente que podíamos viver um sem o outro, mas ter uma certeza mais forte que só queríamos viver se fosse juntos.
Sinto falta de perceber o passado e amores antigos e não ver neles sentido, se comparado àquele presente. E tomar as experiências, o aprendizado, os sucessos e as quedas só pra fazer melhor dessa vez, achando que eu jamais poderia olhar pra trás com saudades ou pesar, porque o que viria pela frente seria incomparável.
Sinto saudade, sim, até das emoções que não vivi, porque eu achava que haveria tempo pra ter dele tudo que poderia receber, e viria em breve, em uma oportunidade ou um momento, ou um fim...

22 de mar. de 2008

destino



Lembro que tirei os anéis e meti a mão na terra úmida. Cavei raso. Respirei fundo. Repousei a semente. Veio o sol e senti medo. Veio a chuva e senti frio. Depois ela cresceu e deu sombra. Do caule forte, surgiram galhos. Subi neles e olhei o mundo. O mundo deu medo e nunca mais olhei de novo. Desci e conversei com formigas, passarinhos, roedores. Adoro conversar. Das folhas dela fiz abrigo. Dos braços fiz brasa, mas não doeu. Agora a minha amiga Árvore está às vésperas de dar frutos. Vou comer com casca e tudo. Vou guardar as sementes no bolso do vestido. Depois serão tantas flores, que enfeitarão o mundo todo. E a cada quatro meses, nova coisa pra acontecer. O sol pra amedrontar, o frio pra tremer, os frutos pra derrubar as folhas, as flores pra enfeitar os cabelos. Quando cansar dessa rotina, alguém mau virá e vai cortá-la fora. Não será agora, mas será um dia. Então vou chorar chuvas copiosas para umedecer a terra e cavar de novo. Não terei anéis para tirar. Não terei tempo a perder. Das sementes guardadas, plantarei duas, uma ao lado da outra, e quando grande estiverem, darão aos mãos e me acolherão com uma rede. E finalmente, descansarei.