20 de jan. de 2014

Duo

Só nós transitamos pelo corredor. Dois reconhecendo a força das paredes, testando a confiança das portas. Abruptamente. Duas meadas sombras de dois pares de pés descalços frêmitos e quentes. Eu não sei se a noite é voraz ou se é a minha pele que arde e come a brisa que passeia. Uma porta é aberta, a luz passa querendo descobrir nossas vergonhas. Pares de sapatos atrás da porta, dois travesseiros, duas taças. Um clique, um estrondo. Uma pausa, uma artéria. Um impulso, um expulso. Pares de coisas que só vemos no escuro. Passam as horas velozes a desafiarem os dois ponteiros do relógio. Os minutos e os segundos. Não há horas. O tempo pára na entrega. Um pause no tempo que passa, no tempo que fica e não volta. A cena, se vista de fora, nenhum artista teria coragem de retratar. Desenhistas perderiam a linha. Fotógrafos se esconderiam atrás do obturador. Pintores misturariam tantas cores que só o abstrato ininteligível ficaria à mostra. Só nós transitamos entre o vão do quarto onde os quadros inacabados estão entulhados. Durmo entre as partes de sonho e consciência, sem saber que durmo e não sonho e sonho e não durmo. Alterno. O corredor se alonga. Os segundos se exasperam, dificultam. Maldito corredor que não pára de se espreguiçar. O despertador chega pontualmente e te leva embora. Visto-me, apago a luz, fecho a porta e vou embora. Dois dias depois, não mais, tudo morre no tempo e no esquecimento, concluo.